MATERIALES
Atendimento psicopedagógico comunitário numa paróquia católica da periferia de Sao Paulo e “TDA(H)”: Pecados & redencoes (Idioma: portugues)

ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO COMUNITÁRIO NUMA PARÓQUIA CATÓLICA

DA PERIFERIA DE SÃO PAULO e “TDA(H)”: PECADOS & REDENÇÕES[1]

 

RESUMO

Com a proliferação dos diagnósticos de TDA e TDAH no Brasil, a demanda para atendimento psicopedagógico dos supostos casos aumentou proporcionalmente. Este artigo trata da implementação de um serviço comunitário de atendimento em Psicopedagogia e Psicologia numa Paróquia Católica da periferia de São Paulo e um estudo de caso sobre “TDA” e seu manejo clínico nesse contexto. A Psicopedagogia Clínica tem muito a oferecer para as famílias de todas as classes sociais, e a articulação com as comunidades religiosas permite ganhos amplos e inovadores.

Gênesis

A Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido e avançado muito nas Universidades e Clínicas de Atendimento particular - porém ainda restrita a uma população que tem condições financeiras para pagamento. Com objetivo de implementar um serviço de atendimento Psicopedagógico acessível a uma população sócio-economicamente excluída, iniciou-se um Serviço numa Paróquia da Diocese de Santo Amaro – periferia de São Paulo, em Fevereiro de 2005. Este texto apresenta o serviço e um caso “de TDA”, l., que foi atendido no espaço psicopedagógico construído.

 

Saindo do Egito

O início do trabalho teve apoio da comunidade, das Pastorais Social, da Saúde, da Criança-Adolescente, do Pároco responsável, que se organizaram na obtenção de fundos para pagamento dos profissionais envolvidos (referência do Conselho de Psicologia). Os profissionais seriam remunerados pelas pastorais, e os pacientes fariam pagamentos em função de sua condição sócio-econômica: valor simbólico de 30 a 60 reais por mês, ou em espécie - auxílio a paroquianos (por exemplo, em informática), produtos de culinária e artesanato (bolos, almofadas, cachecóis). Foi combinado que não haveria atendimento gratuito, pois todos têm algo para oferecer e é importante que se responsabilizem pelo próprio atendimento.

Os atendimentos foram organizados para dois dias na semana específicos e fixos nas semanas, com preparação dos profissionais envolvidos para alinhamento teórico-metodológico e organização. Ênfase ao limite claro entre questões Teológicas e questões “psi”.Isso permitiria a possibilidade de construção de espaços autênticos de produção de sentido e ressignificação das histórias de vida –com vistas à autonomia do paciente.

A equipe era composta de uma Psicóloga, uma Psicóloga com formação em Psicopedagogia, apoio de Neurologista, Psiquiatra e Terapeuta Ocupacional do Hospital Pedreira (referência na região) e estagiários de Psicopedagogia, Psicologia, Pedagogia e Fonoaudiologia, com supervisão quinzenal. Estagiários auxiliaram na logística: organização dos horários, recepção dos pacientes, acomodação de familiares acompanhantes, construção da Rede Social de Apoio - contato e estruturação de parceria com Unidades Básicas de Saúde, Escolas Públicas, Clínicas-Escola de duas Universidades próximas, Conselhos Tutelares e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

 

Pecados veniais

A demanda incluía todo e qualquer tipo de sofrimento psíquico: pessoas com depressão, anorexia, luto, conflitos conjugais, problemas com abuso sexual, abuso de psicoativos, familiares com transtorno bipolar ou Alzheimer, preparação para cirurgias, casamentos, viagens, esquizofrenia, hipertensão.... e uma verdadeira avalanche de supostos TDAH, transtornos de déficits de atenção com hiperatividade. Pacientes de três a dezesseis anos já diagnosticados e medicados com metilfenidato.

 

Pecados capitais

Os primeiros pacientes encaminhados ao serviço estranhavam o fato de se priorizar uma conversa com eles, sem culpabilização. Consideravam-se tão “monstruosos”, “pecadores” e “horríveis”, “problemáticos” e “sem remédio” que entravam cabisbaixos, desautorizados em suas palavras. As mães e pais eram convidados a silenciarem, para que ouvissem (atendessem) seu filho/sua filha “TDA”. Esse era um desafio imenso, porque os pacientes, considerados os pacientes identificados, como tais carregavam todo estigma da patologia da família. Eram literalmente os depósitos, os depositários, das patologias omitidas ou secretas das famílias.

Esse primeiro movimento, de autorizá-los a falar, validando sua fala, sua opinião e seus motivos, trazia em si uma possibilidade até então inédita de atendimento, de autoria para aquela criança/jovem.

Optou-se por atendimentos separados para mãe, pai e criança, com objetivo de avaliar as funções preservadas e potenciais ainda inexplorados, em lugar de insistir nos pontos falhos. O questionamento radical do diagnóstico de TDAH trazia o incômodo de retomar uma discussão que o médico já havia resolvido. Esse processo da retomada de discussão era cuidadosamente trabalhado na supervisão, pois os terapeutas eram depositários de toda raiva, indignação e todas as dificuldades daquela família. Os pais faltavam sem avisar, ou ainda boicotavam as sessões chegando muito atrasados, ou ainda permaneciam em logorréia/verborragia sem conseguirem tomar contato com a angústia. Ficava evidente que sua hiperatividade física era hipoatividade pensante aliada a repercussão inconsciente de conflitos paternos/maternos não resolvidos. O manejo clínico era essencial para compreensão desse momento e do significado dele na construção dos espaços entre.

 

L., o “moleque terrível, o “TDA” ou... No princípio, era o Rótulo

L. fez sete anos e foi encaminhado ao serviço da Paróquia pela mãe como “última esperança”. Estava em atendimento psiquiátrico desde os três anos de idade, medicado com metilfenidato, sem psicoterapia. A medicação, mesmo administrada corretamente, segundo a mãe, não trazia efeito algum. Na casa, moram a mãe, a irmã 11 anos mais velha de L, e uma moça de 24 anos que não tinha moradia e foi acolhida pela família. O pai separou-se da mãe quando L. tinha 11 meses. L. até o início do atendimento dormia na cama de casal com a mãe, mesmo tendo um quarto próprio.

Na escola, L. era descrito como inteligente, mas terrível. Batia nos colegas, nas professoras, mordia o próprio braço, tirava a roupa dele e dos colegas, cuspia no rosto dos outros, destruía materiais. A mãe, chamada quase que semanalmente para ouvir (impotente) as transgressões do filho e a falta de paciência que ele estava provocando. A direção pediu que ele fosse transferido.

O pai de L. (R.) constituiu outra família, com outros dois filhos, e o via apenas quinzenalmente, ou menos que isso, sem qualquer padrão para visitas. R., na primeira entrevista, foi explícito: “L. é insuportável. Se puder evitar de ficar com ele, evito, senão passo raiva, passo nervoso... é um desgaste imenso.”

Segundo a mãe, L. foi uma criança desejada, amada, querida em sua gestação. Segundo o pai, quando L. nasceu o casamento dele já estava acabado e ele ficou furioso com a gestação. Um ano antes de L. ter nascido, o pai dele trouxe a notícia de um filho gerado fora do casamento. Havia um ressentimento intenso de S. em relação ao ex-marido, por ter sacaneado e casado de novo, e ela permaneceu congelada na separação. R. insistia que não havia saído de casa por causa de ninguém, mas porque o amor por S. acabara. E L. fora concebido nesse cenário de “amor acabado”, na perspectiva do pai, e “ultra-desejado, num casamento em reconstrução”, na perspectiva da mãe. A inscrição do desejo é fundamental para compreensão da constituição subjetiva do sujeito. L. expressava essa angústia.

Começava a se desvelar a cicatriz que L. representava para a mãe e para o pai, e expressava em sua inquietação incessante, sua violência, sua agressividade mal-ajustada. Segundo Piera Aulagnier, o espaço psicopedagógico permitiu construir-se um passado. Seu ambiente não era suficientemente bom (Winnicott), e ele não se sentia confiante, não tinha a presença incondicional do adulto disponível para lhe assegurar confiança e segurança. No ponto em que a linguagem acabava, o corpo começava a falar.

Ao se abrir espaço para ressignificação de questões graves e complexas, como a gestação de L. ser desejada ou não, o contexto de gestação após o nascimento de um filho fora do casamento – e aceitação disto pela mãe de L. – e a própria separação, quando L. estava com 11 meses, a mãe conseguiu olhar para sua história e sua impotência diante da imposição de limites para os filhos. Ela finalmente assumia, no espaço psicopedagógico, a condição de impotência diante dos desmandos do filho. O pai conseguiu verbalizar a rejeição (segundo ele, pela primeira vez em todos esses anos) e a dificuldade em conviver com um filho indesejado em sua nova vida. S., a mãe, durante três atendimentos permaneceu em prantos, em perplexidade diante da própria situação.

Até então, o diagnóstico psiquiátrico “L é um TDA” havia asfaltado toda angústia e todo conflito subjacente à sua concepção e à própria separação do casal.

Os atendimentos de L. eram planejados de modo a permitir sua descarga emocional e elaboração de conflitos. Suas funções cognitivas estavam preservadas, e mostrava-se um menino muito inteligente e perspicaz, com grande dose de agressividade. Foram realizados trabalhos com argila, jogos, videogames. Em todas cinco primeiras sessões, as figuras do pai, do meio-irmão e da mãe eram alvo de agressão e palavrões. Nas sessões seguintes, com a simultânea mudança de postura dos pais – a mãe colocando limites, colocando-o para dormir no outro quarto, e o pai mais presente, organizando datas e horários de visitas – a representação era mais carinhosa e afetiva.

 

Ressignificação e progressos: a Redenção.

Com a revisão e ressignificação dos principais conflitos que norteavam a concepção de L., foi possível aos pais reorganizarem a postura em relação a suas novas vidas e em relação ao filho: limites claros, organização primorosa na freqüência de encontros com o pai. Decidiram pela solicitação à psiquiatra para redução gradual da medicação, até a extinção total, e pela mudança de escola.

O espaço criado para atendimento Psicopedagógico durou dois meses, com sessões semanais com L. e com um dos pais (cada semana um deles) durante o primeiro semestre de 2009.

Aos poucos foi-se instaurando nova rotina na família, com criação de autênticos espaços entre e um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento de L.: entre ele e o pai/nova família, entre ele e a mãe (que procurou tratamento psicoterapêutico), entre ele e o meio-irmão. Nesses espaços, L. já podia apresentar-se como um bom menino, inteligente, atento, animado, bem-humorado e disposto a jogar bola, jogar videogame, fazer lição e interagir com outras crianças de modo não-agressivo. E os rótulos TDA e terrível puderam ser jogados fora.

 

 

São Paulo, 05 de Outubro de 2009.

 

 

Helena Maria Medeiros Lima.

BIBLIOGRAFIA

1.  - CRUZ, María Sol – Apostilas do Curso à Distância - NUEVOS APORTES DE LA PSICOPEDAGOGÍA CLÍNICA ANTE EL SUPUESTO DIAGNÓSTICO DE ADD/ADHD Módulos I e II – março a junho de 2009. Buenos Aires: E.Psi.BA, 2009.

2.  - DI LORETTO, Oswaldo – Origem e Modo de Construção das Moléstias da Mente (Psicopatogênese) A psicopatogênese que pode estar contida nas relações familiares. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

3.  - DOLTO, Françoise – Quando os Pais se Separam. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

4.  - FERNÁNDEZ, Alícia – Cuerpo, Aprendizaje y Creatividad em los tiempos de La informática y La telemática in in Revista E.PsiBA nº 6 – Cuerpo, aprendizaje y acto creativo em los tiempos de informática y La telemática. Buenos Aires: E.Psi.BA, 1997.

5.  - SORDI, Regina O. – A construção de um espaço de escuta psicopedagógica in Revista E.PsiBA nº 6 – Cuerpo, aprendizaje y acto creativo em los tiempos de informática y La telemática. Buenos Aires: E.Psi.BA, 1997.

6.  - WINNICOTT, Donald – O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.

7.  - _________________ - A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

8.  - _________________ - Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fones, 1998.

 



[1] Helena Lima – Bióloga, Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Doutora em Saúde Pública. Aluna do curso de Especialização do E.Psi.BA e aluna dos cursos à distância de Nuevos Aportes de La Psicopedagogia Clinica ante El supuesto diagnósticodde ADD/ADHD (2009) e Pubertad y Adolescencia en los contextos atuales:contribuiciones psicopedagogicas (2008). Coordenadora do Serviço de Atenção Psicopedagógica e Psicológica da Paróquia Bom Jesus, São Paulo – Diocese de Santo Amaro.

 

 

Imprimir
CONTACTO
(005411) 4641 0272
Carhué 436 (1408) Bs. As. Argentina
SUSCRIBIRSE AL NEWSLETTER
EPsiBA - Espacio psicopedagógico de Buenos Aires | Desarrollado por Scot's Team