MATERIALES
A Sensação da Falta que um Trabalho com Adolescentes Gera (Idioma: portugues)

 

A SENSAÇÃO DA FALTA QUE UM TRABALHO COM ADOLESCENTES GERA

 

Maria de los Angeles Rodrigues

 

 

Resumo: O presente artigo visa discutir as práticas educativas cotidianas e as faltas geradas por este processo. Refletir para superar a sensação de impossibilidade que a falta gera, é necessário. Porém, quando esta reflexão se faz em grupo a questão da crítica e da competitividade aparece, exigindo o exercício da flexibilidade e escuta.

 

 

Solicitei, certa vez, que os professores pensassem em que ações nossas promovem crescimento nos alunos. Durante os relatos, aquilo que faltava no ensino ou na aprendizagem sempre se sobrepunha.

Ficava a questão: qual é o papel da falta nesse processo?

O fato é que nem sempre conhecemos todas as dinâmicas que permitem o progresso do desenvolvimento dos adolescentes, mas somos capazes  de distinguir ou destacar algumas de importância a se notar: o afeto, a palavra , trabalho, lidar com conflitos cognitivos, sócio-cognitivos, participação guiada, construção conjunta,...- possibilidades intrínsecas na produção de transformação na aprendizagem dos alunos.

A falta nos traz um momento de desprazer e prevemos a demora no processo de preencher o vazio. Para permitir que haja uma etapa construtiva de conhecer precisamos enfrentar o não conhecer. E, mesmo assim, teremos que lidar com o fato de que não existirá uma resolução definitiva. Haverá cortes e revisões. Enfim,  novos olhares. Há um amargor na incerteza e podemos nos sentir desamparados. Como lidar então?

Ter clareza dos caminhos que trilhamos para alcançar os objetivos previstos permite que uma reflexão nos traz subsídios para lidar com a falta, percebendo que ela não significa impossibilidade.

            Não é indiferente a forma como conseguimos atingir os objetivos, nem o ritual ou o conjunto de passos mediante os quais foram alcançados. Muitas vezes, no afã de regular uma atividade  prejudicamos a regulação da aprendizagem. Atropelamos momentos de riqueza construtiva e subjetiva.

            Quando observarmos progresso significativo na aprendizagem dos alunos, constataremos que há uma vinculação sistêmica neste progresso. Ficará claro que é o conjunto de ações que exerce a verdadeira influência educativa. Será na trama de práticas cotidianas que observaremos a inter-relação e coerência dessas práticas e a sinergia entre elas

            Há  momentos em que buscamos estratégias para conter a fala excessiva e desorganizada dos alunos, para promover maior concentração, para desenvolver o pensamento de um aluno com dificuldade,...

            Adianta ditar uma proposta de estratégia determinada?

            Refletir sobre o conjunto de atividades, das práticas, dos hábitos, de relações sócio-afetivas,...faz-se necessário para que se obtenha algum progresso. É necessário fazer uma avaliação constante e permanente, sempre integrada às atividades para que se reverta em melhora da prática. Fazer análises coletivas e discutir a organização de  ações futuras trazem êxito sempre que propostas.

            Porém, divergências devem vir como possibilidades de construção final do grupo. Podemos divergir?

            Cooperação preza divergências. Ocorre que, muitas vezes, uma divergência transforma-se em mote para competir. Devemos nos lembrar que questionar certezas propicia expansão de conhecimento.

            Re-conhecer, re-visitar o conhecido permitirá melhor compreensão e, consequentemente, uma possível transformação da qualidade de nossa prática pedagógica cotidiana.

            Como as ideias podem surgir de forma confusa e, por vezes incoerente, precisamos fazer um exercício de análise e síntese de nossas ações.

            Um grupo que trabalha com adolescentes precisa funcionar cooperativamente. Onde entra a crítica neste momento?

Por vezes, acreditamos que vamos prejudicar um colega com nossa crítica e esta crença pode prejudicar o processo de desenvolvimento do grupo como um todo. A possível mudança não é fácil, pelo contrário, mostra-se trabalhosa e gradativa. Implica em avanços e retrocessos como qualquer mudança.

“Cooperação é uma luta contra si mesmo, contra suas próprias ambivalências, contra os outros quando alimentam tendências centrífugas, contra todo o sistema educativo ou o estabelecimento de ensino quando demonstram pouca compreensão. O funcionamento de uma equipe requer uma fé e energia em função de vantagens visíveis. Fé e energia para não cair na tagarelice ou discussões sem fim, para respeitar as diferenças sem renunciar a uma certa coerência, para superar conflitos e negar as divergências, para permitir uma renovação regular da equipe sem perder a continuidade.

A tensão é inevitável. Muitas vezes podemos desacreditar que o todo é maior que a soma das partes. Tolerância, paciência e descentralização, resistência a conflitos e capacidade de escuta são competências profissionais.” Perrenoud

 

            Normalmente, imaginamos que a crítica é permitir opor um pensamento verdadeiro a um pensamento falso. E, não é nada disso. A crítica é um trabalho intelectual. Sua finalidade é explicitar o conteúdo de um pensamento ou de um discurso. Quem sabe, poder encontrar o que está sendo silenciado por esse pensamento ou discurso. Ou seja, a tarefa da crítica é fazer falar o silêncio.

            A proposta é de exercitar a flexibilidade e a escuta.

            Precisamos compreender que o respeito à palavra do outro não é igual a silenciar o que se está pensando.

            A escuta pode resultar em momento de desconcerto. Ao nos posicionarmos, podemos tentar não fazer ruído, ou seja, podemos transmitir nossa ideia com melodia e harmonia. Nosso discurso deve se constituir de forma coerente, organizada e permeada de afeto.

            E, afeto não é sinônimo de prazer. Afeto pressupõe olhar o outro. Pressupõe demonstrar que ele importa. Por vezes, sofremos , frustramos, mas dotamos o outro de existência.

            Lidar com o imprevisto, com o inesperado exige lidar com o possível e dar tempo ao tempo.

            Como fazer para que a troca seja bem vinda?

            Como transformar o difícil em saudável?

            Entrar em contato com  a fragilidade de cada um auxilia?

            Concluímos que devemos estabelecer o compromisso de auxiliar, mudar a relação com o conhecimento, visto não ser absoluto e completo.    

            Devemos brincar juntos, criar, corrigir, recorrigir, atentar a observações, aproximar-nos dos avanços. Avançar como leitores do cotidiano e exercitarmos a reflexão compartilhada ampliando possibilidades para a experiência do conhecimento.

 

 

 Quem é cada um de nós senão uma

combinatória de experiências,

de informações, de leituras, de

imaginações?

Italo Calvino

 


 

 

Ensinar: Agir na urgência, decidir na incerteza. Saberes e competências em uma profissão complexa. Philippe Perrenoud. Porto Alegre (Brasil), Artmed Editora, 2001.

 

Convite à Filosofia. Marilena Chaui. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

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