Enlutada enluta
Yara Stela R. Avelar. Psicopedagoga. Rio de Janeiro
Não deixarei que morra em mim
o desejo de viver
mesmo que tantos estejam morrendo.
Não deixarei que matem em mim
o desejo de amar
mesmo que tantos estejam matando.
Não deixarei que cresça em mim
o ódio por alguns homens
mesmo que o ódio já tenha agora em mim aflorado.
Não deixarei ferirem assim, em mim,
a minha humanidade e lutarei
mesmo estando ferida e enlutada.
Eu deixarei que morra em mim
o medo paralisante
que o terror busca espalhar.
Eu deixarei que matem em mim
a desconfiança atrofiante
que há algum tempo entre nós vem se proliferando.
Eu deixarei que cresça em mim
cada vez mais a esperança
que desta terra quase se extingüiu.
Eu deixarei que esfreguem essa nódoa
tão grande em nossa história e insistirei
que lutem mesmo sentindo-se enlutados.
Não quero mais ter lamentações e gemidos, nas minhas ressonâncias
Não quero mais ver pingar lágrimas, sangue, ais
Não quero mais tantos ideais presos, tanta história desmanchada, tantos anjos rebelados,
Não quero mais tanto tempo morto, tanto espaço assassinado, tantos cadáveres necrosados, putrefatos, amontoados.
tanta cicatriz brotando da carne aberta,
tantas chagas, chamas, choros, cárceres, crateras, abismos, vermes, missas de 7º dia...
Não posso perder o sentido da vida
bloquear minha pulsão criativa, não posso
Quero manter acesa a capacidade de desejar
ampliar sempre e cada vez mais a minha busca de responsabilidade junto com o outro.
Quero.
Eu quero matar a guerra
Eu quero que morram as podres discordâncias, as intolerâncias, as violações
Eu quero enterrar os amores avessos
Eu quero dar vida à morte natural
Quanto preciso para sustentar meus queros. Preciso muito.
Preciso cavar minhas mais doces armas
Cauterizar as úlceras desses maus momentos
Apagar no céu os trágicos brilhos bélicos
Arar e irrigar solos humanos tão endurecidos
Incensar os ares que estão tão fétidos
Preciso ainda de fecundar um pouco de perdão
fazendo explodir minha tristeza nas buchas de um canhão
Preciso de tramar novas perspectivas pra resgatar a história nossa do homem, da mulher,
para enlaçar de novo alguns sonhos
e atirar flores no lugar das bombas
Agigantar-me (já que estou tão pequena)
tão diminuída
tão retalhada
para metralhar e guerrear em mim meus obstáculos;
para prender em mim a pomba da paz.
Preciso pacificar-me e não apenas gritar:
Não façam a guerra,
Não instalem o terror,
Quero paz.
(Yara Stela R. Avelar. Rio de Janeiro)
Yara Stela R. Avelar